Perto de uma mulher, são só garotos…

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Perto de uma mulher, são só garotos...
Imagem: Reprodução/Internet

Fui interpelado esses dias a responder uma pergunta. Estava desarmado, desinquieto, sem qualquer preocupação, adrenalina em suspensão. Foi isso mesmo, digo. A indagação veio de uma inspiração, penso eu, daquelas que as brisas vem devagar. Ah, a sobra de pensar não há. Vieram as palavras então, mas antes das letras, a exasperação de quem queria saber. Vi que era para valer, de saber da seriedade do negócio, que um frio veio nos meus ossos, congelando por dentro a saber o que eu deveria responder. Custei para crer. Mas escutei com querer. A pessoa queria saber. Esperou eu responder.

Comecei pelas beiradas, ao largo da fronteira do íntimo, pensando que isso poderia satisfazer. Contudo, a inteligência do outro lado era muita, astuta, vindo acompanhada então de mais fonemas a perguntar. Antes da dança a ter nas palavras, uma cortesia se fez, sorriso que se esboçou, desarmando a mim para o que ela queria saber. Sim, ela era mulher. E eu o homem a cumprir o interrogatório. Fui a bola da vez. Oh, meu Deus, por que assim me fez? Ele fez?

E a interrogação daqueles olhos foi na direção de entender o que eu sabia de ser. Introduziu em mim, a voracidade da curiosidade, em compreender o que era, ser homem para mim. Assustado fiquei, com a postura dela, para saber do que mais que era, o enigma de Adão. Pobre de mim, razão sobre isso tenho não. O que dizer sobre a masculinidade para uma mulher que pergunta o que ninguém ainda respondeu com propriedade? Como se equilibrar na resposta, sem parecer que é uma anedota, para não desmerecer a sagacidade por trás da questão? E isso tudo foi em menos de cinco minutos guardados. Difícil era dizer sobre tudo desse lado. Com aqueles olhos então…

Mas arrisquei a dizer, estão lendo agora para você ver, como fui então para a inquisidora de mim, responder sobre o que está aqui. Nasci homem ou me construí homem, pensei? Ensinaram a ser assim, ou impuseram isso a mim? Coragem há de ter, pacóvio não posso ser. Sendo assim, pus a reflexão a mim, a dizer que homem é sujeito sem direção, com todas as direções, que colocam para ele caminhar. Sem pestanejar, caminhar deve ser, nos trilhos que se estabelecem, sem que haja um momento para perguntar. É só responder. Chorar não pode ser. Mentira danada da peste, sô! Claro que as águas salgadas vem, nas horas mais inapropriadas que tem, censura que nunca falta de dar. Aqueles olhos diminuíram a tensão, um sorriso quis esboçar então, porém, não veio a abertura da felicidade. Ela não teve piedade. Continuei meu relato crônico sem ter o perdão.

Olhar no espelho fiz, para ver as formas que tenho, além daquelas que supus ter. Uma vaidade foi. No vidro, o homem tem sentido. No suplício da vida, nenhum homem faz sentido. Segue o caminho. Brados tem, escondidos também, daqueles que querem dizer sem falar. É a melhor arte de contar, penso assim. Mas a resposta não valeu, pelo entrecruzar de braços que se fez, a minha frente sem duvidar. Ah, danada ela, o que não entregamos incondicionalmente assim? Assunto isso depois, pois, os olhos voltaram a ser censores. E eu a imaginar o que poderia responder. Homem é difícil de ser. Ah, bem sei como estou a mercê…

Com essa declaração, meu nome certamente irá para a inquisição, ou o index de algum lugar que me cace. Mas devo lembrar, aqui para estes olhos que não me descolam, e para aqueles outros que me acompanham, como disciplinário de turma de escola, que Beauvoir é minha amiga, e Butler fiz fichamento. Levanto as bandeiras que forem, ou abaixo as outras que teimam em ficar, que um débito de Adão existe para mim. Sim, o homem que sou aqui responde pelos outros antes de mim. A dívida não é pouca, posições roubadas que foi, pela violência que li a respeito no conforto de casa. Elas não estavam em casa, mas estavam em casa. Estão em todo lugar. Deusas devem ser? Não arrisco a dizer. Apropriado não é. De carne e ossos são, verdade é.

Mas o homem é? Não sei dizer, olhos que me percorrem. O que eu sei é que também uma prisão colocaram para nós. Muitos dizem que não, gritando sem razão, vangloriando de uma virilidade hipotética. São só garotos e só. E as meninas são tão mulheres… Ah… Pensei responder tocando um violão e cantando essa canção. Mas seria bem clichezão e disso não poderia arriscar. Perto de uma mulher, somos só garotos. Isso é uma verdade bem dita. Bendita! Uma que repousa em meu coração. Sim, o homem em mim tem um que bate de montão. Na frente dela então, meu Deus, há de socorrer.

Ao dizer isso, a sobrancelha dela retraiu, o cabelo ficou mais evidente, e um tom branco de um fio notei. Não falei. Disse então, para amenizar a situação, que ser homem historicamente foi fácil. Veja só o patriarcado, o machismo estrutural, os nomes da história, ciência, religião e filosofia, e todas as ias de uma masculinidade que arrepia de um medo só. De novo, olhos apertados a mim foi, e eu encrencado estava pois, na procura pela palavra certa, precisava entregar o que eu era. Exigência dela sim, vi. Nas camadas de mim, nível por nível, no fundo do meu ser era o que ela queria saber. E eu me pus, enfim, a dizer. Crônica da nudez foi, o homem desvestido de hoje.

Desse modo imprudente, pus a confessar que o homem que em mim há, chora no jogo de futebol, na despedida do amor que se foi, na demissão sem razão do patrão. O homem em mim que fui conhecendo, sensibiliza com a dor do outro, do amigo e do inimigo, porque dor é um condomínio de sofrimento, e síndico disso não quero ser não. O homem em mim enxerga as sutilezas da vida, as crueldades de ocasião, toda uma sorte e um azar que visita a gente. O homem que está em mim sabe que pode ser o que se pretende ser, sem que haja uma culpa ou remorso por isso. Digo sim, isso. O homem que está em mim sente o mundo a sua frente, tenta entender toda essa gente, enquanto se espera a lotação em dia de verão. Suor salgado na boca, saudade que bate quando menos se espera. Era ela, lembrei pra quê, meu Deus? Nada disso podia dizer. O homem deve saber quando dizer, é o que se canta por aí. É o que se legisla também.

Mas errar é uma arte que o homem faz bem, respondi para ela. Ora se erra errando, outra vez se erra acertando. Errei muito errando fortemente. Mas equivoquei feliz acertando bem. Ah como amei errar assim. Erraria sempre da mesma forma se ao fim fosse de novo sim. Ela riu. Um jogo virei então, pensei. Não disse para ela, é claro. Mas vi que ela sabia que, sim, um gol eu fiz. Como foi masculino isso de dizer. Foi, eu sei. Perdoem-me por isso, e por tudo antes disso, o que faz furtar a beleza de agora. Levantei nessa hora, de frente a ela fiquei, e me pus a responder, perguntando: sou o homem que pensou ser? Uma coragem surgiu a mim, sei. Não nego a tremura das pernas também. Mas dela um som de resposta veio, com um riso solto que se fez, gargalhada que escuto até hoje, na lembrança gostosa que tenho. Ela voltou-se para trás, sua silhueta fez evidente, e minha mente não sabia de mais nada. Minha inquisidora então pegou um objeto escondido, em um silêncio nítido que se rompeu ao timbrar de sua voz. Eu custei a acreditar que a resposta que deu foi a que ela tirou de mim. Ah danada você, viu! Feliz fui assim? Claro que sim. Ah, coração meu, como é bom ser homem e errar desse jeito. Olha só o que veio, de suas mãos e de sua boca, o mistério dito por ela, enfim. Não poderia ter melhor fim…Não poderia ter melhor razão. Ela para mim, ao violão, cantando essa canção que diz assim:

Perto desta mulher, você é só um garoto…

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