Implodiram nossa escola

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implodiram nossa escola
Imagens: Divulgação

 

Coluna Sorrindo o leite derramado

O meu coração anda meio acelerado… mas não se preocupe leitor! É ansiedade mesmo! No dia 10 de dezembro comemoro 40 anos de formado! Uma data surreal, que eu nunca pensei em alcançar. Não porque eu pensasse que morreria cedo! Mas acho que, na correria da vida de médico, não fiquei imaginando datas!

A galera da faculdade se mobilizou desde o ano passado e nosso grupo de Whatsapp está bombando com as organizações do evento comemorativo. Em novembro, uma sombra se abateu sobre nós: a implosão do campus principal da Universidade Gama Filho, onde fizemos nossa faculdade. Nos últimos anos, reportagens sobre os prédios abandonados, que fizeram o simpático subúrbio da Piedade se tornar uma verdadeira cidade fantasma, já nos deixavam muito tristes, mas a implosão do complexo universitário que nos formou, mesmo sendo parte de um projeto de um parque municipal, nos deixou um pouco deprimidos.

Nos anos 70 e 80 do século passado (sim leitor, sou um ancião!), a Universidade Gama Filho era uma potência e o curso de Medicina era um dos melhores cursos privados do país. Curso que eu só pude concluir por ser bolsista, já que meu pai faliu quando eu estava no segundo ano… mas é duro fechar os olhos e se lembrar daquele campus lotado, fervilhando de alunos! A Piedade respirava educação, tudo em volta da universidade era voltado para os alunos: livrarias, restaurantes, bares… passávamos a semana imersos num mundo paralelo e distante do resto da cidade!

Era um campus interessante, cheio de edifícios funcionais e nada bonitos! Tinha uma piscina olímpica e uma lanchonete fast food (o 33!), que vivia lotada. A universidade brilhava nos esportes e tinha vários atletas estudando em suas faculdades (nós tivemos a alegria de estudar com o Grangeiro, da seleção brasileira de vôlei). Havia uma lenda urbana de que o time de judô da universidade espancava qualquer grupo que tentasse formar um diretório…  mas isso não aconteceu no tempo em que estávamos por lá! Porém, a lenda tinha um efeito inibidor no movimento estudantil da universidade.

Todo mundo se pergunta como um império da educação pode ruir dessa maneira. Não sou especialista na área e estou fora do Rio há mais de 30 anos, mas penso que deva ter sido um combo de má gestão, aumento da concorrência (muitas universidades privadas abriram cursos de Medicina) e saudades do governo militar, que sempre foi generoso com a universidade.

Mas deixando a implosão de lado, trago um sentimento de alegria, de ter chegado até aqui! Numa trajetória venturosa pelo interior do Brasil, vim parar no Leste de Minas Gerias, onde criei duas meninas e fiz carreira como médico de adolescentes.

Eu era só um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso e vindo do interior e caí naquele universo tão diferente: uma universidade gigante, num curso badalado e em meio a tanta gente mais esperta e descolada que eu! Fui com medo, mas fui e acho que interagi muito bem. Era uma turma enorme e muito heterogênea (éramos mais de 100!). tinha a galera pobre, que ia de ônibus e de trem ou de barca da Cantareira e de trem pra Piedade (eu era titular do time da Central do Brasil!), a maioria vindo de vários lugares do Brasil; tinha a turma de São Paulo, cheia da grana e que ia de carro pra faculdade (eram gente boa!) e tinha a turma carioca, que gozava o sotaque de todo mundo! Fomos nos aproximando, nos misturando e interagindo e, no fim de seis anos, tínhamos até agregados (irmãos e namorados/as de colegas), além de vários casais formados, alguns tiveram filhos, que também se tornaram médicos.

Datas assim nos fazem pensar no passado, como se víssemos um filme repetido: o menino brega de camisa de time do Mato Grosso, que morava numa pensão em Copacabana, se tornou um médico que caminhou pelo Brasil na primeira década de formado: Rio, Mato Grosso, Campinas, Minas Gerais… Foi médico da roça, da metrópole, médico militar, civil, de gente rica, de gente pobre, de postinho de saúde, de clínica chique, de pronto-socorro lotado, de consultório em Ipanema, de centro de atendimento a Pacientes Especiais, de Unidade Psiquiátrica Infantil, de maternidade rica e maternidade pobre, de Hospital Universitário e Clínica precária… quanta coisa eu fiz pra construir minha história! Agora, olhando pra trás, acho que a média é bem positiva e me dá a sensação que voltaria a fazer a maioria das coisas…

Agora faltam poucos dias para o encontro! Vai ser um fim de semana inteiro numa pousada! Claro que fiz um regime pra perder uns quilos… Não vejo a hora de rever a galera. O engraçado é que criei afinidade por algumas pessoas depois que saí da faculdade – efeito colateral das redes sociais. Não vou me esquecer do meu anti-hipertensivo, e as malas estão quase prontas! Claro que vou de carona com meu compadre Maurício, ambos chegaremos de camisa do Fluminense, já que, poucas vezes, estivemos tão por cima! Matar as saudades, jogar conversa fora, contar casos, lembrar colegas que se foram, lembrar apelidos, apertos nas provas, estórias das nossas trajetórias, mostrar fotos de filhos e netos, cantar velhas músicas, rir de tudo. E, no último dia, dar uma choradinha, que é previsível!

Iremos todos embora com uma pergunta: Vou estar aqui nas bodas de ouro?

Caro leitor, aproveito pra desejar a todos um feliz Natal e um 2024 cheio de alegrias. Nos revemos aqui na coluna Sorrindo o Leite Derramado em fevereiro!

2 COMENTÁRIOS

  1. Que honra ter compartilhado com vc os anos de Gama Filho.Gostei muito de ler sua coluna.Gosto do seu posicionamento frente ao mundo,inclusive o político.
    Nos vemos na próxima semana.
    Grande abraco.

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