Caminhando eu fui passeando pelas estradas da cidade. Ruas, na verdade, para preciso ser sobre o assunto de hoje. No tempo que tive, com muito pensar, uma reflexão veio. Sozinho não estava, ao menos nos mistérios, Universo que dialoga com a força que tem. Um amigo que veio. Uma amizade que vem.
De início, espantado e fluindo, uma música a parceria ofereceu. Como bom leitor que sou, de letras e pessoas, observei a dor longe que perto estava. Ouvi a música, poesia ritmada, daquelas que fala, que hoje é presente. Arrepio meu na pele, uma gentil sudorese, de fazer pacóvio acordar. Despertar. Lembrei dela, da vida que é breve, verde esperança de uma linda coragem. Essa era a imagem, ao vocal do músico, a alma espelhar a agonia de entender: meu amigo queria saber. Fim de tudo era o que eu precisava explicar.
Escrituras rasgadas, jogadas ao chão, na luta pelo luto compreender que nada daquilo significava. Meu peito acusou o golpe, de uma laceração enorme, de para um abismo caminhar sem chance de retorno. Tempestade nos olhos do amigo, voz de trovão, um raio em sua alma. Escutei com calma a fala dele, como versículo de Igreja, caminhando por jardins, no que O Jardineiro sempre permitiu. Também perdi minhas flores, pensei. Continuei a ouvi-lo. Era meu amigo.
A liturgia para ele não resolvia, nem para a minha sina, de tantas épocas que deixei para trás, como amores Indescobertos que fui saber depois. Sempre sabemos depois, meditei. E cuidei de colher cada palavra do amigo que, para filosofia, quis viajar. Ah, como é bom lembrar, reminiscência platônica, de se permitir embriagar sem beber. O poeta vai saber, como todos os dias faz, na sua poética, entorpecer em suas angústias diante do mundo, um amor perdido na colação do verso. Sem um gole de vinho descer. Era florescer, meu amigo pedia. Na filosofia…
Então assim, peripateticamente, enfim, meu amigo citou Schopenhauer. Disse que a vida é dor e sofrimento, chuva lá fora e aqui dentro, todos nós mergulhados em oceanos de emoções. Segurei minha onda, marejada nas janelas de mim, mas aqui não poderia fazer precipitação de minhas paixões. A vez era dele. E ele prosseguiu, afirmando que o fim era o suplício, de uma jornada desentendida. Saudade era memória forte, dor sem remédio, prescrição sem receita. Lembrei dela na deixa de não dizer o quanto a amava. Mas isso não ajudava. Ouvi a amizade perto da coragem. Vida deve ser.
Mas meu amigo, caminhando comigo, acusou a materialidade do mundo. Consumo desenfreado, meio ambiente acabado, natureza morta no altar do Deus crucificado. Beleza ele não enxergava, na turva água de seu padecimento, o que impedia de ver com melhor discernimento. Aguentei dentro de minha casa a ventania passar, ouvindo as estrofes dessa rapsódia encontrar, nos becos da existência, cidade que é de pedra. Porém, amizade tive muito, ao ouvir por alguns segundos, que somos rios, águas que refrigeram, da psichê de uma conselheira minha. Não ofereci o provérbio. Abraço da paz que deveria ser. Procissão que deveria acontecer.
E ele caminhou, tropeçando na respiração, ofegante em suas algúrias. Deixei não sobrar nenhuma, ouvindo com atenção, a explicação do mundo a partir da vivência dele. Da dor nele. Ampulheta que descia as areias do tempo, grãos de escolhas que nos ofertavam, um destino a ser delineado por nós. As Valquírias ele lembrou, da composição de Wagner, lição de Nietzsche que viria. O amigo disse que nada existia, verdades do mundo que aprisiona, a moral tola que nos impede de viver. A senhorinha que passava ao lado ouviu, junto da menina que sorriu, ao que esta parece ter uma solução encontrado. Mas a amizade dissertou, confabulando histórias de guerra, justificando a feiura das coisas, no que sua dor tinha fundamento. Senti o tormento. E ele concluiu, na maestria que nunca se viu, dizer que liberdade era o que condenados estávamos. “Sim, sem piedade, a morte livra a gente do fim, vida que começa”, gritou ao alto, som que reverberou mais que os sinos de Catedral. Sartre observei nele, na Idade da Razão que teve, um lapso de sorriso colorir na aquarela cinza daquele dia. Mas a abertura da felicidade não veio. Preso estava em uma caverna de solidão.
Queria eu dizer, sem que do discurso dele eu ser, o protagonista de seu solilóquio. Contudo, para mim era mais que óbvio, de nele existir uma ferida que cura não veio. Aberturas que se ampliam, no sangue que corre, cicatriz que não fecha a ranhura da alma destruída. Então tomei um pouco de ar, olhei para o lado, e o sorriso dela veio na minha memória: era sobre a vida que eu deveria falar, remédio que eu poderia prescrever.
Pedi licença ao amigo, na tarde de nossa Aurora, para versar sobre um assunto sensível a todos nós: a vida e a morte. Ele soluçou por dentro, um mar aberto de rebeldia, no que notei a tremulação das ondas dele. Sem muito esperar, toquei minhas caravelas rumo ao desconhecido. E assim disse que era para ser agora a vida que ainda não foi. Não deixar nada mais para depois. Foi o que assuntei com ele. Palavras em trombetas que se anunciam aos povos nesse instante, no calvário de minha pregação.
“Amigo, tua dor eu experimentei. Argumentei com Deus e o Diabo, na filosofia que não explicava a efemeridade de tudo, menos do sofrimento. Espaduei com lágrimas a ferocidade das pedras que a mim eram lançadas a cada saudade repentina que vinha. Fotografias não bastavam, álbuns de recortes que apenas lembravam, o tanto de amor arrancado de mim foi. E não tem criacionismo o bastante, nem darwinismo o suficiente, que lhe garanta um lugar no paraíso da paz almejada. Mas, também compreendi, a cada pai nosso por aqui, que o presente da travessia é o presente de agora. Nenhum minuto é voltado, especialmente ao orgulho devotado, ainda que na homilia o perdão se peça. Se perde. Somos curtos ao ser assim, como curta é a vida se não a preenchermos de substância. Pão da vida. E é essa a elegância de viver, como na batuta do maestro, conduzir nossas vidas na harmonia intensa de um sol maior. Cantar e brilhar. Não é para ser menor, no mísero instante da existência, o esforço de um sorriso entregar. Amar. É para abraçar, dizer, contar, como é a maravilha de ver de perto aquilo que presente é. Memórias são lindas, não digo diferente, mas Galateia é ter alguém por perto e saber disso. Não permitir ir embora. O orgulho que se vá, na poeira a desmanchar, o milagre da visão acontecer. Levante e ande! É o que deve se ver. É apenas o que tenho para lhe confessar.”
Meu amigo ouviu, sentiu e parou de caminhar. Olhou para mim, não conseguiu mais represar suas águas, e as comportas se abriram. Diques de abraços eu dei, aos afagos da amizade fiquei, e dois homens, meninos foram, perdidos e encontrados. Sem saber, ficamos sim, compreendendo enfim, que o presente era agora, e que memória não poderia ser. Saudade pra que? E, assim situamos, depurando sofrimentos guardados, decantados ainda pelo que poderia ser. Queríamos viver. E filosofamos que poderíamos fazer.
Ao fim do abraço, medida sem compasso, vi a aquarela de uma linda Menina de olhos verdes: uma criança. Ela correu velozmente na nossa direção, ficou na nossa frente, e ofereceu água e sabão de presente. Rimos nós dois, na gargalhada das forças da vida, o Universo que não silencia, ouvindo todos nós. Meu amigo repetia, a mistura que via, com os elementos entregue por ela, uma Menina. Balançou um pouco, a garota tonta não ficou, maravilhada ficando com a astúcia de agora: meu amigo soprou a vida. Ao seu respiro vital, com os ingredientes dado, uma bolha de sabão se fez. E beleza desta mostrou-se a mim, ao amigo e a Menina. Sim, era beleza pra mim…
E a bolha criada subiu, subiu, subiu, perto do Sol, ao Céu, como na Leveza de uma Borboleta. Admirados com esse mundo novo ficamos, a Menina no encanto, até que a bolha estourou, efemeridade que se repetiu. Ficamos parados, olhando para o nada, sentindo o golpe novamente. Porém, a Menina pulou em nós e admoestou, a promessa de ficarmos mais um pouco, ofertando insistentemente. Não entendemos nada, meu amigo quase pedindo passagem, mas a criança nos roubou, como um ladrão na noite, a frase que salmo foi. Olhamos para ela, ouvimos a gentil querela de, na revelação dos mistérios, compreender pelas palavras infantis, algo que se versificou-se ao fim da jornada:
“Fica mais um pouco, multiplica a bolha, porque sabem que muitas outras virão, em várias outras sopradas.”