A Câmara Municipal de Governador Valadares manteve o veto do prefeito André Luiz Merlo (PSDB) ao projeto de lei que reserva vagas para negros em concursos públicos municipais. A votação aconteceu na noite desta quinta-feira (9).
O projeto foi proposto pela vereadora Iracy Matos (SD), com base na lei federal 12.990/2014, que também reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos federais, e havia sido aprovado na Câmara por unanimidade.
Porém, ao ser remetido ao Executivo, o governo decidiu vetar a proposta. De volta à Câmara para nova votação, os vereadores da bancada governista também mudaram o seu voto e mantiveram o veto, com 12 votos favoráveis e apenas 6 contrários.
O líder do Governo, vereador Marcílio Alves (MDB), justificou que o projeto é inconstitucional e obriga o executivo a formar uma comissão “para ver quem realmente é preto ou não, no caso de realização de concurso público”.
Na defesa do veto, Alves destacou que “o importante é que se dê oportunidade à pessoa de estudar e passar. Se fossem 20% dos pobres, tudo bem, esses sim não estudam, às vezes porque não têm oportunidade, mas tem preto rico e o filho dele vai levar vantagem. Uma Casa feita a nossa não tem que tratar disso, temos é que ajudar pra que não tenha o racismo. O projeto também não atende à necessidade do município”, falou o líder.
A vereadora Iracy Matos, autora da proposta, criticou a manutenção do veto e reforçou que a proposta tratava-se de um projeto de lei da regra, e não da exceção. “Iracy de Matos é exceção, Joaquim Barbosa é exceção, o Ted (assessor do vereador Rildo do Hospital, negro e contra o projeto) é exceção, todos que tiveram oportunidades são exceções”, pontuou.
“Mas se vocês visitarem a penitenciária verão que mais de 70% da população é de negros. E eu não dou conta de entender que uma comissão de direitos humanos dessa Casa vota contra o projeto e vai lá na cadeia visitar os presidiários. É melhor remediar do que prevenir?”, questionou.
Matos falou ainda que as cotas não vão reparar a diferença de 400 anos entre o negro e o branco e afirmou que nenhum negro nasce marginal. “Eles não têm é oportunidade. Por que os negros são a maioria dos que morrem? De cada 100 negros, é um jovem branco que morre”.
A parlamentar pediu mais compromisso dos vereadores com a questão racial. “É preciso que essa Casa estude mais a questão racial, porque senão não vai ter política afirmativa nesse município e Governador Valadares vai continuar exterminando jovens negros. Eu já fui contra a cota, por não ter entendimento, então, estudem”, rogou.
Igualdade
Aprovada em 2014, a Lei 12.990 destina uma porcentagem das vagas de concursos públicos para negros e pardos, buscando amenizar desigualdades sociais, econômicas e educacionais entre raças. Só haverá reserva se as vagas oferecidas no concurso público forem iguais ou superior a três.
A lei terá vigência pelo prazo de 10 anos, ou seja, até o ano de 2024, quando passará por nova análise. A reserva de vagas para negros não tira a obrigatoriedade da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para o cargo em que concorre.
Um dos fundamentos da reserva de cotas é a necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente.
O STF (Supremo Tribunal Federal) já entendeu pela constitucionalidade das disposições da Lei n. 12.990/2014, que trata das cotas para negros e pardos nos concursos públicos.
Em vários municípios ela tem sido sancionada, inclusive sendo proposta pelo próprio Executivo, como aconteceu em Belo Horizonte, onde o então prefeito Mário Lacerda enviou o projeto para apreciação da Câmara de Vereadores, ainda em 2016.
Apesar de compor a maior parcela da população, os negros ainda são minoria nos quadros de pessoal do setor público, o que não é nenhuma novidade em um país onde os brancos, em relação aos pretos e pardos, têm os maiores salários, sofrem menos com o desemprego e são maioria entre os que frequentam o ensino superior.
Com a manutenção do veto do prefeito André Merlo, a prefeitura de Valadares, que ensaia a realização de um concurso público para esse ano, perde uma oportunidade histórica de avançar na política de promoção da igualdade racial.
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