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As Copas Que Eu Vi

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as copas que eu vi
Imagem: Divulgação

Lamento não ter visto a beleza poética que foi a dupla Romário e Bebeto em ação, vingando a morte trágica do maior piloto da história da Fórmula 1. Na sofrida Copa de 1994, o Brasil estava de luto por Ayrton Senna. Dizem que decorre desse fato aquela performance incrível de Galvão Bueno, que chorava ao narrar os gols daquela seleção que pôs o coração na ponta da chuteira.

As minhas recordações começam no maior desastre que foi a edição de 1998. Um trauma insuperável para muita gente das gerações anteriores à minha. Eu, com seis anos de idade, alimentei uma enorme expectativa. Gastamos uns bons trocados de nossos pais comprando apetrechos, apitos, bandeirinhas, e claro, réplicas do simpático Footix, mascote que fez a cabeça dos pequenos naquela Copa.

Até hoje, o nervosismo é certo ao rever os melhores momentos da semifinal – ou final antecipada – contra a poderosa Holanda. Talvez aquilo foi uma batalha entre duas grandes seleções que resultou no jogo mais emocionante de todas as Copas. O então goleiro do meu Galo operou milagres em tal partida, todos eles narrados de maneira magistral pelo mesmo Galvão, que ainda não era um chato, pelo contrário, estava em seu auge.

Djorkaeff, Didier Deschamps e Petit, nomes franceses que figuram como assombrações na memória coletiva do povo brasileiro devido àquela fatídica final. Zidane, principalmente. Nunca consegui ter simpatia pelo argelino naturalizado, aquilo me impediu de apreciar a arte que ele promovia ao jogar bola. Jamais irei perdoá-lo por ter frustrado o desejo de milhões de crianças que tinham Cláudio Taffarel como ídolo.

Entalado na garganta de quem não havia desistido da seleção, o grito de penta veio logo em seguida. Com dez anos de idade, além dessa prática esportiva já se fazer presente em meu cotidiano, acompanhei a Copa de 2002 com alguma bagagem de informações a respeito dos principais jogadores, com direito a álbum de figurinhas, revistas e tudo mais.

A globalização era a pauta do dia. Na escola, um trabalho encomendado para a disciplina de Geografia exigiu que pesquisássemos aspectos demográficos, culturais e econômicos da Coreia e do Japão. Enfim, tomava gosto pelo evento do qual nenhum argumento político-ideológico foi capaz de me fazer afastar.

Naquela vitória, um baque. O difícil jogo contra a badalada Inglaterra de Owen e Beckham, nas quartas de final, foi a última vez que estive em companhia do meu pai. Ele se foi sem ver aquele desfecho, tampouco a vitória de Lula meses depois, acontecimentos históricos pelos quais aguardava ansiosamente. Ainda assim, passamos dias comemorando, e eu, particularmente, negando essa derrota irreversível.

Restou a saudade. Não só dele, mas de Rivaldo, o jogador esculpido pela fome que vestia a camisa dez daquela seleção. Que lindo era vê-lo atuar, desajeitado, tímido, porém craque, daqueles que inventavam de tudo. Um caso clássico em que a audiência midiática e a consciência pequeno-burguesa se recusaram a admirá-lo. Muito por ter a cara das vísceras do Brasil profundo, sugere o quadrinista e escritor Rafael Campos Rocha.

Inevitavelmente, dei o hexa como certo em 2006. A minha geração estava excessivamente empolgada. No ano anterior à Copa, pela primeira vez, pude ter acesso à cobertura de um campeonato estrangeiro. O Espanhol passava na Band, numa época em que a péssima fase do Galo fez do Barcelona o meu amigo. Na verdade, todo mundo queria ser amigo do Barcelona para ver Ronaldinho Gaúcho.

Durante várias partidas questionei se estava mesmo tendo o privilégio de assistir àquelas atuações catárticas na voz de Luciano do Valle. As feiras que carregávamos aos sábados, serviam de meio para termos grana no decorrer da semana, pois uma famosa casa de videogames era o nosso destino certo após cada rodada do referido campeonato. Todo aquele dinheiro, conquistado com muito suor, esvaia-se por causa desse brasileiro que encantava o mundo.

Vergonhosamente, na Copa, ele e os demais craques não jogaram absolutamente nada. No entanto, aquela eliminação, para mim, não teve a conotação de uma grande decepção, como a de 1998. No papel, a seleção era um dos melhores times de todos os tempos, mas desde o primeiro jogo, a falta de vontade, a soberba e a indisciplina ficaram evidentes.

A partir daí, ninguém mais temeu a nossa camisa como antes. Na Copa da África do Sul, o Brasil chegou com uma espécie de ressaca moral do período mais tenebroso pelo qual a seleção passou nos últimos vinte e cinco anos. A equipe praticava um jogo burocrático, que tinha a cara de quem a treinava. Reconheço, era um time que não deixou a desejar nos quesitos dedicação e vontade, como havia ocorrido quatro anos antes. Entretanto, faltava a alegria, o tradicional drible para escapar da violência. Era uma seleção séria, plúmbea.

O torneiro de 2014 foi a minha primeira Copa em Governador Valadares, como estudante. Logo, a primeira regada à cerveja e na companhia da minha ex-turma de graduação. Nesta edição, fui salvo por ter tido zero expectativas em relação àquele time limitado. Pela primeira vez, em uma copa, eu fiz questão de dizer que não seríamos campeões. A goleada sofrida pela seleção soou como algo exagerado, apenas. Pois a Alemanha estava muito à frente naquele ano, era inevitável o título daquele timaço.

Por fim, 2018. Tenho muita admiração por aquela boa equipe que serviu de base para o renovado time deste ano. Era o auge dos jogadores do atual elenco que hoje têm por volta da minha idade, a chamada “geração nove dois”. Em que pese a queda, que insistiu em se repetir, morremos lutando. E ainda acho que podíamos ter levado a taça se Renato Augusto não tivesse perdido aquele gol contra a Bélgica (rs).

Mas o Mundial da Rússia me marcou também por outro motivo. Lembro que muita gente se encontrava em estado de melancolia no pós-golpe de 2016, e ante a bolsonarização do país, rejeitava-se a competição, a seleção, e em alguns casos mais tristes, até o carnaval – pasmem. Em direção contrária, porque já me encontrava em análise, livrando-me de todo quanto é tipo de ressentimento, joguei-me nos bares, permitindo-me gozar. Foi muito divertido, e chorei. Sabia que era a última chance de comemorar uma Copa sendo jovem.

Hoje, mesmo aos trinta anos, e cada vez mais distante desse balcão de negócios que se tornou o futebol, ainda que longe do assim chamado clubismo, e das rodas de debate deprimentes e regressivas promovidas pelos adeptos deste último; horas antes da estreia da seleção canarinho, aqui estou, escrevendo este texto. Pois não consigo mais pensar em outra coisa.

É essa a força que arrasta a maioria da população brasileira, seja a Copa realizada na petromonarquia medieval do Catar ou em Cuba. Seu combustível são as nossas memórias mais antigas de infância que ressurgem de modo avassalador.

Agora, como bem disse Rafael Campos Rocha – à quem recorro novamente – cabe ao técnico conseguir fazer com que aquele bando de milionários, mimados e vaidosos direcionem suas energias na direção dessa conquista abstrata. Acredito que vai ser sofrido, que chegaremos depenados à final, mas desta vez, o hexa virá. Boa sorte, Brasil!

1 COMENTÁRIO

  1. Lembro de ter lido algumas vezes esse texto, logo que foi publicado. Durante essas leituras, acredito que não mergulhei profundamente no texto, pois ideias me surgiam a cada parágrafo, li ao mesmo tempo em que estruturava, em outra parte do cérebro, minha própria relação com a Copa do Mundo, que define tão bem os marcos temporais da minha vida. Mas agora, lendo o texto novamente, pude me atentar aos detalhes e me deliciar com cada leve salto de quatro anos na cronologia do relato. Conhecendo o autor e sendo ele um grande amigo, me emociona ver como conseguiu sintetizar tantos sentimentos e experiências em uma prosa tão poética. Parabéns pelo texto, meu amigo; mas, antes de tudo, obrigado por escrevê-lo.

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