Coluna sorrindo o leite derramado
Prezado colega.
Essa carta não vai pra ninguém em especial. Talvez tenhamos estudado juntos, ou frequentado a universidade ao mesmo tempo… Talvez tenhamos nos esbarrado na época da residência… Talvez tenhamos nos encontrado num desses plantões intermináveis que nossa profissão nos impõe.
É amigo (posso chamar-lhe assim?), a gente não imaginava nunca que nossa geração fosse enfrentar uma pandemia, né? Eu me lembro de minha mãe contando sobre a “Espanhola” … Que foi um terror e que até um presidente morreu… mas nossa galera sofreu NESSA pandemia! Quantas vezes você teve que entubar um paciente? Quantas vezes assinar um atestado de óbito? Os plantões nunca foram tão dramáticos! Quantas vezes você entrou no quarto e viu um colega chorando?
E o medo de voltar pra casa e levar o desgraçado do vírus com você? Ah, quantos não preferiram se separar das famílias? Um amigo meu morou três meses no consultório!
Que vontade de parar pra descansar! Mas como? E os outros? Todo mundo se matando e você ia fazer corpo mole? Sem chance!
E quando você soube do primeiro colega que morreu? O que você sentiu? Era como estar numa guerra! E, literalmente, estávamos vendo morrer e morrendo…
Sim, quem esteve na linha de frente, nesse desespero todo, não fica muito apegado às pesquisas. Quase todo mundo receitou remédios… Mesmo sabendo que era estranho que um vírus sucumbisse a antibióticos, remédios de verme ou de malária… Era uma esperança! E as famílias pediam! Elas queriam sentir que fazíamos o máximo! (Eu escapei desse dilema, pois no primeiro ano não atuei, ficando em casa por recomendação médica – só voltei vacinado…).
Sim amigo, eram soldados na linha de frente! Mas para isso existem os comandantes, não? Para traçar estratégias e conduzir as tropas na direção certa…
E esses comandantes falharam absurdamente!
Fizeram cara de paisagem e disseram que as tropas sabiam para onde ir! Alegaram autonomia! Mesmo quando, no mundo inteiro, os cientistas e autoridades sanitárias já haviam condenado o uso de medicações ineficazes.
O mais triste, amigo, é que alguns de nossos colegas adoraram continuar prescrevendo aquelas drogas!
E a população, iludida com uma falsa proteção, se expôs mais ao vírus e adoeceu mais… E morreu mais!
É amigo! Não adianta tapar o sol com a peneira!
Nossas entidades têm uma enorme dívida moral a pagar! Uma dívida histórica!
Nossos comandantes deram as mãos a uma política de extermínio em massa. Que abraçava a falsa tese da imunidade de rebanho. Aliás abraçava, no fundo, a tese do “Salvem a economia!”.
A pandemia ainda não foi embora! Eu mesmo estou escrevendo aqui de casa, pois contraí o vírus de um paciente… mas a vacinação em massa já começa a mostrar sua força.
Em breve a Pandemia de Covid 19 vai ser uma página na história da humanidade… E nós temos que ter a coragem de fazer uma contabilidade moral desse triste episódio.
Afinal amigo, de que lado estamos?
Do lado do povo brasileiro, do lado do SUS, do lado do PNI… Ou estamos do lado de um político irresponsável que vai entrar para história como um criminoso perverso que ajudou um vírus letal a colher mais de 600.000 vidas?
A minha opção é clara e cristalina!
Espero tê-lo ao meu lado!
Abraços do seu colega
Darlan