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Ouvir é abraçar as dores do outro

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OUVIR É ABRAÇAR AS DORES DO OUTRO
Imagem: Reprodução/Internet

Vai ser difícil ser lírico hoje. Eu sei, venho tentando ser nos últimos tempos, se deu pra notar por aí. Mas aqui nem sempre tudo é uma harmonia para ser mais que ia, tudo que se leva a fazer a gente ser. Não são todos os dias que estamos dispostos, a postos, para  encarar o mundo diante da gente, pois, não é fácil também o mundo dentro da gente. É tanto barulho no exterior de nós, e não menos feroz os sons que se orquestram no interior de nossa casa. Ah, como eu queria ter asas e voar de vez em quando, disfarçar o pranto,  só pra ser uma chuva passageira que refrigera alguém. A alegria que só tem quando vejo uma pessoa ao lado de mim feliz assim. Parece que o barulho diminui, uma tensão se  desfaz, e as coisas passam a ter um melhor sentido. Ouvi isso de um amigo. Uma amiga me disse sim.

Ouvir é uma arte. Já falei tanto na vida que perdi a conta, sô! Contava do passado, previa o futuro, ria de um tudo, sem saber o porquê. Inventava histórias, contava uma leve prosa, acalentava alguém com isso, e não dava ao desperdício de não dizer mais um pouco além. Sentia-me poderoso, talentos de oratória a alinhar, todo um articulado que se fazia prestar a quem a mim queria escutar-me de novo. E eu não ouvia, não dava a atenção, nos detalhes de uma emoção, que tanto a mim queria dizer. Perdi um tempo pra valer. E isso começou a mudar. Pus a logo escutar, a vida que gritava para mim. Só assim pude ser feliz de verdade. Só desse jeito pude aprender.

Ouvir é devagar, demorado, sem tempo para acabar. Deixar os ouvidos para o outro é doar, entregar seus sentidos, para captar a alma da pessoa, seus sinais mais puros, sem qualquer interferência ou ruído. Sincronia de uma sapiência delicada de aprender. É fazer  todo o seu ser ao outro estar. Escutar suas palavras, seus olhos especialmente, a forma como coça as mãos, e levanta a questão que, muitas vezes, não sabe responder, sabe? E não precisa saber, pois, quem fala quer mais esvaziar um copo cheio, um peito enorme, com várias águas represadas, as quais já não cabem ali, do que, necessariamente,  descobrir o resultado da equação. Ouvir é decantar todas essas emoções, sem ter razões para entregar, porque nada precisa entrar. É só sair. Ouvir é assim. A delicadeza de ser menos por mais. Mais histórias que precisam ir embora. Distanciar do lugar que não era para ficar.

E eu a ouvi muito, cada palavra encantada ao sentimento cantado a mim. Consegui penetrar em todas as suas confissões, as dela a minha frente, sem dizer uma letra, porque
eu queria era é muito tempestuar por causa disso que ouvia. Mas isso não podia estar. A amizade exigia de mim a postura de fortaleza, mesmo sabendo eu que não tinha essa nobreza para entregar. Porém, não poderia permitir a mim ser o protagonista da história de quem dizia. Era ela quem era a personagem, a atriz da cena, quem ficaria por todo o filme narrado, para ao fim dar a nota do enredo a estabelecer a ideia. Um pensamento que  somente ela sabia expressar. E eu era apenas escutar. A arte de continuar a vida assim.

E fui cosendo este tecido do destino em minha mente. Ela sentada diante de mim, olhando para mim, lágrimas que diziam mais rápido que as palavras. Pensei levar as minhas para  ela, mesmo sabendo que era, um caudaloso rio difícil de controlar. Mudei de estratégia,  fixando novamente meus olhos nela, deixando meus ouvidos a todos os seus sons perceber. E estava tão concentrado, tanto na fala dela, como em sua beleza, na inteireza de seu ser, que vai além do corpo. Ouvia mais que fonemas, escutava seu movimento, o jeito de olhar para o horizonte, deixar repousar sua dor no firmamento. Escutei seus poros, o seu eriçar de pelos, quando mais próximo ela estava do momento difícil a confidenciar. Ouvi suas unhas estalarem, o grito silencioso perpetuar, a vontade de se libertar, de uma prisão que colocaram para ela. E eu queria ser o anarquista, o revolucionário, arrancar todas as bandeiras da mediocridade que não permite humanos sermos. Ela choraria muito se assim eu fizesse. Mas riria também ao fim pela inocência quixotesca que eu dissesse. Mas hoje não era dia de dizer. Era momento para ficar e ouvir. Foi o que eu me pus a fazer.

Nunca vou me esquecer desse dia em que aprendi que ouvir é melhor que falar. É árdua a tarefa de se comportar, na língua a frear, a deixar livre os tímpanos que absorvem a vida  do outro. Da outra, amiga minha, que eu jamais suporia, ter um oceano dentro dela sim. E para onde iria todo esse mar, pensei perguntar. Na sua queda iminente, diante de uma multidão de gente, que ficaria ali para espetacularizar a dramática tarefa de viver, sem um gesto que fosse para socorrer. Não consegui compreender. Precisei, então continuar.

Mas eu precisava ser, diante do que eu sentia, o que ela via por dentro, quando a mim trouxe todo esse desalento. Escutei toda essa história, os sons de seu silêncio profundo,  segredo que a libertou de vez. Na minha ânsia de ser o herói, alguém que faz algo por nós, esqueci de todas as palavras que pudessem dizer o que ela precisava escutar. Molhado eu estava, por dentro e por fora, depois da tempestade que passei ao ouvir ela inteira. Sim, escutei toda a sua grandeza. Ensinou a mim o que mais que era: ser humano é aprender a viver todas as dores do outro. Só assim perto dos céus ficamos, sem uma liturgia para cumprir, nos cantos de templos pelo mundo, uma salvação a esperar.

E, foi aí que veio a divina ideia a despertar, todo o sagrado fogo que permanece na gente, para ao outro vivificar. Ressuscitar… Nela eu queria morar. Não consegui mais esperar. Ela  sem entender meu plano, tentou segurar mais uma vez seu pranto, ao ouvir de mim, depois de toda essa ode sim, o que eu tinha como resposta a entregar. Minha amiga ficou diante de mim, ao acolhimento de uma palavra dita que não foi, ao meu toque ficar quando, sem menos pensar, simplesmente, um abraço dei. Coragem tive dessa vez. E  humano, talvez consegui ser. Porque às vezes é isso que a gente espera receber. Espera viver… Sem resposta para isso tenho, sabe? Por que? Não sei dizer… Mas eu sei dizer. E  vocês vão ler agora o que vou escrever. Até mais dizer, pois…

Ouvir é abraçar as dores do outro sem dizer por que.

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