“Se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia” – L. Tolstói
Dizem os historiadores e populares, que a derrubada de árvores foi uma prática corriqueira no passado rico deste lugar. Tempos de extrativismo, quando desmatava-se para vendê-las como matéria-prima e, de quebra, abrir espaço para a criação dos orelhudos.
Hoje em dia, o modus operandi latifundiário faz-se notar no meio ambiente urbano. Árvores são postas abaixo porque não dão lucro e ainda prejudicam a visibilidade de um supermercado.
Não importa mais o bem-estar psicológico das pessoas, ou a produção de sombra para pedestres e veículos; tampouco seu potencial em reduzir a poluição sonora ou de abrigar inúmeras espécies de animais e insetos.
Nessa nova etapa da organização econômica local, a função de suprir a demanda da população por alimentos tornou-se “o negócio”. Sua importância ocorre dentro de uma extensa cadeia de produção, bastante danosa ao equilíbrio do planeta, da qual não escapa o ato de abastecermos nossas casas com comida.
“Gostei deste texto, vou pôr um supermercado aqui”
O processo ao qual me refiro é frequentemente comunicado pelas redes sociais por meio de memes, muito melhores do que este subtítulo. Sua prova cabal é o sucesso econômico do “amarelinho”, como é carinhosamente conhecido o maior comércio de alimentos da cidade.
Supermercadização é o nome do aumento de 180% dos empregos gerados por esses estabelecimentos, em um contexto de “perda de participação da agropecuária e consistente desindustrialização da economia”, como destaca o Plano Diretor do município.
Seu sobrenome é “salve-se quem puder”, consequência direta dessa concentração no interior do comércio varejista:
Na imagem acima, a seta vermelha destaca a faixa que mostra o crescimento da participação dos super e hipermercados na renda mensal do varejo. Em contrapartida, a seta preta aponta a supressão da participação do segmento dos minimercados, mercearias e armazéns.
Em 2007, havia 110 cadastros de estabelecimentos neste último segmento. Cada um deles empregava, em média, 10 pessoas. Já em 2017 (ano mais recente com dados disponíveis), a quantidade de estabelecimentos de menor porte passou a 96, e a média de empregos gerados por esses caiu para 3.
Invariavelmente o que se tem é a diminuição paulatina das feiras de rua, dos mercados públicos, mercearias, pequenos mercados, bodegas, açougues e padarias contribuindo para a perda da diversidade comercial nas cidades. – Juscelino Bezerra, prof. Departamento de Geografia / UNB.
“Até parece que sou fera”
A canção Camelô, do ícone do reggae baiano Edson Gomes, evidencia uma outra face dessa concorrência desigual, no lamento de um simples vendedor sobre a fiscalização dura e espetacular da qual é sempre vítima.
Afinal, por que o pequeno vendedor, mesmo em sua “insignificância” perante a grandeza do comércio, mesmo ele não sendo “fera”, por que o tratam como tal?
Uma resposta é sugerida por um membro da Associação dos Comerciantes do Mercado Municipal, quando diz à reportagem que o cerco àquele também interessa a “grupos econômicos” que “sabem que a área é muito valorizada e querem tirar proveito do fechamento”.
Algo semelhante indica este trecho da fala de um feirante para uma pesquisa sobre empreendimentos econômicos não convencionais, ao se referir àquelas redondezas:
“A gente enfrenta algumas dificuldades. Sempre algum supermercado quer tirar nós porque você tá perto do centro, quer afastar nós daqui, não sei o porquê, eu não concordo com eles.”
Por este ângulo, até parece haver um plano de perseguição à economia tida como “pobre” pelas concepções racionalistas de cidade, que servem à especulação.
Ora, quem sou eu para afirmar algo do tipo. Na dúvida, entretanto, é sempre bom considerar a máxima de que “a sociedade do espetáculo é uma miséria, bem mais do que uma conspiração”.
Contraponto
O estado de espírito em questão na parábola que abre este pequeno texto, também parece ser o da ACOMFAFA, associação responsável pela Feira da Agricultura Familiar Agroecológica, essa rica manifestação de cultura popular das manhãs de sexta, na rua José Luiz Nogueira.
Onde o acesso a terra foi historicamente dificultado em benefício de tê-la concentrada nas mãos daqueles que pouco apreço tiveram à agricultura, a FAFA resiste, disponibilizando à população alimentos saudáveis, cultivados e produzidos pela agricultura familiar do próprio município, na contramão da supermercadização da cidade.